Prestes a abrir mais um ENEM, o ensino de Língua Materna na educação básica parou no tempo

Seleto grupo de estudantes que tiraram nota 1000 no ENEM 2014. Foto: G1 Globo
Seleto grupo de estudantes que tiraram nota 1000 no ENEM 2014. Foto: G1 Globo

Na última segunda feira (11) o Ministério da Educação (MEC) divulgou os resultados individuais da prova de Redação em Língua Portuguesa da última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

A matéria, publicada no portal de notícias G1 reforça a tese de que o ensino de Língua Portuguesa ainda encontra resistência no cenário nacional, ou seja, as instituições de ensino ainda pautam-se em um segmento tradicionalista, no qual prevalecem as regras gramaticais e o ensino padronizado.

Reflexo disso são as notas da prova de Redação em Língua Portuguesa, no qual mais de meio milhão de pessoas não conseguiram nota e ou zeraram a prova e, entre os motivos, destacam-se a fuga ao tema, modalidade em que o candidato não discorre sobre a proposta textual pedida no exame.

Mas por que será que quase 1 milhão de candidatos não conseguiu sequer alcançar a nota mínima e apenas o seleto grupo de 250 pessoas (isso mesmo, mais de 1 milhão e meio de pessoas fizeram o último exame, e apenas 250 pessoas conseguiram a nota 1000)?

A resposta está em nosso sistema educacional. Independentemente das formas de ensino (se no Reforço Escolar, na escola regular, na Educação de Jovens e Adultos (EJA)) e tantos outros, a aula de Língua Portuguesa é voltada para o ensino não dos usos da língua em suas diferentes situações, mas para um “decoreba” das regras gramaticais, ou seja, os professores, ao invés de explicar o uso da sintaxe, por exemplo, na produção textual do aluno, caem na mesmice, focando apenas em aulas expositivas de Objeto Direto, Objeto Indireto, Agente da Passiva e tantas outras.

A grande pergunta que está na cabeça do aluno é: “E no que vou utilizar isso?” E o que o aluno vai saber disso quando terminar o ensino regular e prestar um vestibular para ingresso no ensino superior? nada, pois a chance que o docente de língua portuguesa tinha para mostrar a aplicação disso no texto, perde lá no quadro, explicando regras a serem memorizadas.

Se fosse pelo menos para mostrar a aplicação posterior disso, até poderia-se dizer que seria um bom negócio, mas a realidade é que o ensino de língua portuguesa é visto como chato e massante devido a este fator. Enquanto poderíamos mostrar a importância disso na vida do aluno lá em suas diversas produções textuais, os professores se atenuam apenas ao fato de mostrar “casos isolados”.

E o reflexo está nestas mais de meio milhão de redações que sequer conseguiram atingir a nota mínima no último ENEM. Prova de que o graduado em letras-português que sai da universidade, infelizmente, em grande parte das escolas, ainda é moldado para o ensino tradicionalista das regras da gramática e, no fim, acaba reproduzindo aquilo que seus professores lhe ensinavam nos tempos da escola regular.

Parte disso também é atrelada ao próprio sistema de ensino;se o professor recém-graduado em letras tenta trazer o novo para a escola, logo é questionado pelo coordenador, pelo diretor,pelo aluno, pelos pais dos alunos, com a seguinte resposta: “você está explicando errado para os alunos” (casos dos diretores, coordenadores) ou “você está explicando errado para meu filho” (caso dos pais dos alunos), ou “Você explicou o conteúdo errado” (caso dos alunos).

E o professor não tem o tempo para argumentar, para responder que só é uma maneira diferenciada de ver o conteúdo. Não há mais essa paciência da escola em esperar resultados de forma gradual, o que o sistema educacional quer hoje são respostas rápidas ao aprendizado do aluno. E nada melhor do que focar no tradicional, pois este não te dá possibilidades de embasamento teórico, pois o que vale é a máxima “está lá na gramática, não tem o que questionar”.

E nisso sobra para o professor de Língua Portuguesa que, na maioria das vezes, é mandado embora da instituição, simplesmente por não explicar “o que está na Gramática” ou a resposta vem de outra maneira por parte dos superiores da instituição “E aí, quando você vai começar a dar o conteúdo?” Vivenciei esta realidade há pouco tempo e compartilho nesta página pessoal.

Em suma, em pleno século XXI, nosso sistema educacional no ensino de línguas é dos tempos do Império no Brasil, atrelado a um ensino tradicionalista, pautado nas regras do livro formal de gramática. Quantas vezes não entrei na sala e trouxe uma forma diferenciada de ver na língua e vem o aluno “mas isso não está na gramática?”

Uma outra parte se explica pelo dito acima, os “conteúdos isolados”. Se, no mundo atual, o texto se manifesta de diferentes formas, por quê que o sistema educacional insiste em “contextos isolados”? Por que já não introduzimos logo a disciplina “Gramática aplicada ao texto” invés de colocar só o nome “Gramática”; na educação básica regular e só o vemos no ensino superior nos cursos de Letras na parte de Línguística? Não seria mais prático o docente explicar o tal do “objeto direto” e ir lá e mostrar ao aluno a aplicação deste em uma produção textual? o aluno teria mais a certeza de que a Gramática está acima de um livro de regras, e passaria a ver que existe a aplicação prática. Queremos trazer os estudantes para a aula de Língua Portuguesa ou simplesmente afastá-los, toda vez que eles ouvem o nome de “Português” e lembram “Gramática”, que rima com memorização de regras linguísticas, que rima com provas de “classifique as orações a seguir” e tantas outras?

Mas isso nosso sistema educacional ainda não mostrou e, meio milhão de notas zero talvez não seja suficientes para dar uma lição nos gestores que elaboram o Plano Nacional de Educação (PNE) e as Diretrizes Básicas dos Ensinos Fundamental e Médio, pois só estará lá escrito no papel, que devem ser trabalhadas a Gramática dentro dos mais diferenciados gêneros, mas que nossos gestores nas escolas, vão colocar apenas na máxima “entrou por um lado, saiu pelo outro” e vamos continuar reproduzindo o tradicional.

Mais um ENEM se aproxima e, provavelmente, mais meio milhão de pessoas ainda vão repetir a proeza desta última edição, se nada for feito, resultados como o do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA, na sigla em inglês) continuarão por muitos e muitos anos trazendo em suas listas o Brasil nas últimas posições de ensino de Língua Portuguesa e Matemática, o que mostra que nossos docentes da educação básica ainda se encontram despreparados para o ensino de uma forma geral.

Texto: Ivan Carlos
Blog: https://mundoacademicoonline.wordpress.com

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