Terceiro do mundo em número de usuários da internet, Brasil apresenta baixos níveis de segurança e defesa cibernética, tanto no setor público quanto no privado. Sistema de inteligência é complicado, muito fracionado e carece de coordenação
O Brasil é o terceiro país do mundo em número de usuários ativos da internet. Segundo dados do Ibope, foram 52,5 milhões de brasileiros conectados em 2013, atrás apenas dos Estados Unidos, 198 milhões, e do Japão, 60 milhões. Quando se considera o número de cidadãos com acesso à internet, a quantidade sobe para 105 milhões de pessoas, praticamente metade da população do país.
Apesar da significativa presença da internet na vida do brasileiro, o país é apontado como um dos mais vulneráveis a ataques cibernéticos. As denúncias de espionagem do técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA Edward Snowden não foram surpresa para os especialistas. Em 2012, o centro de pesquisas belga Security & Defence Agenda (SDA) e a empresa McAfee divulgaram estudo no qual o Brasil figura como um dos menos preparados para se defender de ataques virtuais entre 23 países, com nota 2,5, ao lado de Índia e Romênia, à frente apenas do México. Os mais bem-colocados no ranking foram Israel, Finlândia e Suécia, com nota 4,5.
O estudo levou em consideração a adoção de medidas básicas como firewalls (barreiras contra invasões) adequados, proteção antivírus e outras mais sofisticadas, além de variáveis como a cultura de segurança geral e o grau de proteção dado às informações de governo.
Em setembro do ano passado, em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, a presidente da República, Dilma Rousseff, repudiou a espionagem eletrônica levada a cabo pelos Estados Unidos. Segundo ela, a prática afeta a comunidade internacional e pode transformar as tecnologias de informação e comunicação em um novo campo de batalha entre os Estados. A presidente, seus assessores e a Petrobras tiveram e-mails invadidos pelo serviço secreto norte-americano em busca de vantagens comerciais. Mesmo assim, Dilma Rousseff negou a vulnerabilidade. “O Brasil sabe se proteger”, sentenciou a presidente.
Mas essa não foi a conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Espionagem do Senado. De acordo com o relator, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), há falta de cultura de inteligência no Brasil. “Pouco se conhece e pouco se discute sobre os serviços secretos e seu trabalho”, diagnosticou o senador. Como consequência, constata-se o despreparo dos brasileiros para fazer frente a ameaças reais como espionagem, atuação de organizações criminosas e grupos terroristas.
“Incursões como as que supostamente ocorreram contra autoridades e instituições brasileiras continuarão a ocorrer e passarão despercebidas, caso não se desenvolva, com urgência, aparato de contrainteligência e de mecanismos de proteção ao conhecimento para fazer frente a essas ameaças”, afirmou Ferraço.
De fato, não foi preciso esperar muito tempo para ver uma nova incursão. Em maio, o Brasil sofreu um novo ataque. Dessa vez, o Ministério das Relações Exteriores foi alvo do grupo de hackers Anonymous, que invadiu o sistema de e-mails do serviço diplomático e teve acesso a cerca de 300 documentos, alguns deles classificados como secretos.
De acordo com a CPI, a implementação de uma política de segurança e defesa cibernética exige mudanças profundas na tecnologia e nos processos utilizados, bem como no comportamento das pessoas e nas instituições que os utilizam. São mudanças essenciais para fazer frente às ameaças crescentes.
Sistema
Mas a quem cabe proteger o Brasil desse tipo de ameaça? Espionagem e contraespionagem, de forma geral, são responsabilidade do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), criado em 1999 pela Lei 9.883. O sistema é composto de várias instituições e subsistemas que, juntos, formam a “comunidade de inteligência”, da qual a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é o órgâo central.
Esse sistema enfrenta vários problemas, como dificuldade de integração entre os muitos órgãos que o compõem, pouca clareza na definição das atribuições e orçamento baixo.
Uma das deficiências que mais atrapalham o bom andamento das atividades é a falta de compartilhamento de informações entre as diversas instituições que constituem a comunidade.
De acordo com a lei, cabe à Abin “planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência no país”. Na prática, isso não acontece. Embora seja responsável por coordenar as ações de inteligência, a Abin não tem qualquer ingerência sobre as outras instituições que integram o sistema.
A tarefa de coordenar a comunidade de inteligência não é fácil, dada a quantidade de entes envolvidos. Além da Abin, outras 18 instituições públicas fazem parte do Sisbin, entre elas a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a Controladoria Geral da União (CGU) e vários ministérios, como os da Fazenda, do Trabalho, da Saúde, da Integração Nacional e das Comunicações.
Subsistemas
Os estados podem integrar o Sisbin, desde que firmem convênio com o governo federal. Mas, até agora, nenhum foi firmado, de acordo com o relatório da CPI.
Na última década, foram desenvolvidos subsistemas regionais e estaduais de inteligência de segurança pública, que reúnem a comunidade de inteligência local, entes das administrações direta e indireta e segmentos do setor privado.
Além do Sisbin, foram criados no âmbito federal o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Sisp), em 2000, e o Sistema de Inteligência de Defesa (Sinde), em 2002. Do primeiro, fazem parte os Ministérios da Justiça, da Fazenda, da Defesa e da Integração Nacional, além do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. O órgão central do Sisp é a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça.
Segundo a CPI, esse subsistema tem sido de extrema importância para integrar os órgãos de inteligência na área de segurança pública, particularmente no que concerne ao desenvolvimento de doutrina e metodologia para o combate ao crime organizado. Já o Sinde é voltado para a área militar. Assessora o Ministério da Defesa em ações de inteligência e reúne órgãos de inteligência da pasta e dos comandos das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica).
Superposição
O consultor do Senado Joanisval Brito Gonçalves destacou, no artigo “O que fazer com nossos espiões? Considerações sobre a atividade de inteligência no Brasil”, que uma das prioridades para melhorar o sistema é aperfeiçoar as competências legais, hoje vagas, dos órgãos envolvidos com inteligência. “Falta legislação que estabeleça mandato claro para cada órgão da comunidade de inteligência, bem como as competências e áreas de atuação de cada um e, sobretudo, os limites para a execução das atividades dessas agências”, escreve.
Segundo ele, as lacunas legais geram superposição de tarefas e choque entre órgãos do sistema.
“A quem compete acompanhar o crime organizado, somente à Polícia Federal ou a Abin também pode fazê-lo? Qual o papel do serviço de inteligência das Forças Armadas, como no caso das fronteiras, onde elas têm poder de polícia?”, pergunta o consultor.
Entre as soluções recomendadas pela CPI, de maneira geral, estão a reestruturação do Sistema Brasileiro de Inteligência, o estabelecimento de atribuições claras para os muitos órgãos que compõem a comunidade de inteligência e a criação de centros de integração nos principais órgãos.
A CPI também sugere a criação de uma única escola de formação de profissionais de inteligência ou o estabelecimento de uma estreita parceria entre as escolas existentes.
Fonte: Senado